quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Ele matou meu gato

Renato encontrou o velho numa cadeira na cozinha, com sorriso pétreo e machadinha na testa . Estava morto . Ao lado do velho, a velha chorava. Ela não Cor do textotinha mais nada a fazer, já que estava encrencada, apesar de seus 76 anos. Foi ela quem botou a machadinha na testa do velho, seu marido nos últimos sessenta anos. A velha disse: “ Eu vou sentir falta dele”. Podia ser verdade, mas havia um presunto na cozinha e ele sorria. Renato foi óbvio:
“Então porque o matou?”. Ela também foi óbvia: “ Porque ele matou meu gato”.
Renato coçou o queixo:
“ Um caso invulgar”. Mas ele era especialista em casos invulgares. Renato puxou a cadeira ao lado da cadeira do velho e os dois ficaram olhando a velha. Enquanto o Cor do textomorto continuava sorrindo, Renato perguntou: “O que aconteceu?”. A velha contou que seu nome era Sofia e o do velho Cor do textoNatalino. Ele gostava de felinos e ela detestava felinos.
“Principalmente gatos pretos”.
Ela disse que gatos pretos eram emissários do demônio. “De onde tirou essa besteira?”.
Ela não se lembrava . “Continue”.
Um dia, o último do outono, o velho apareceu com um gato preto. O tempo passou, o gato se apegou à velha irritando o velho. “No inverno ele dormia a meus pés”. “ E o velho?”. “Pegou birra do gato”.” E o gato?” “ Pegou birra do velho”. Renato percebeu estar diante de um trama familiar de contornos complexos, que evoluía silenciosa para uma tragédia doméstica em cujo desfecho sempre havia um defunto. Neste caso dois defuntos: um humano e outro felino. Se o velho passou a sacanear o gato, o gato passou a sacanear o velho, coisas como transformar calças e camisas em farrapos , além de urinar estrategicamente no sapato do velho. A guerra estava declarada e a velha ficou ao lado do gato. Acuado, o velho brigou com a velha e o gato se vingou fazendo cocô na poltrona em que ele dormia. O velho resolveu botar ordem na casa. Ele pegou uma corda e amarrou no pescoço do gato e o pendurou num caibro na despensa. Quando a mulher entrou na despensa, encontrou o gato negro com os olhos frios e abertos para ela, tentando sem sucesso o seu derradeiro miado de socorro .A velha berrou. O velho ouviu e riu do berro que a velha deu. Ele achava engraçado. A velha ouviu o velho rir, pegou a machadinha e tomada por acesso de raiva foi à cozinha e golpeou a testa do velho. Natalino parou de rir, mas a última risada ficou grudada em sua cara para sempre. Esse era o caso. Por hábito, Renato perguntou: “E o resto?”. A velha: “ Fiquei sem velho e sem gato”. Uma conclusão óbvia. Renato virou-se para o velho, com vontade de dizer: ‘Tire esse sorriso idiota”. Mas o velho não ia tirar o sorriso por nada deste mundo. Sofia parou de chorar. “ O que a senhora vai fazer na cadeia meu Deus?”. Ingenuamente ela respondeu: “ A única coisa que eu sei fazer é café”.

Nenhum comentário: